segunda-feira, 8 de março de 2010

O CARRILHÃO - Tic...Tac...

Se o ponteiro do seu relógio pudesse marcar sua vida, o que você escolheria?
A dor da perda de uma paixão ou a certeza de uma desilusão?

Faça sua escolha...
Tic...Tac..., Tic...Tac.




O Carrilhão
Tictac... tictac... Os relógios marcam os minutos... que marcam as horas...e marcam histórias de vidas que até hoje, continuam perdidas ao longo do tempo! Às vezes quando olho para meu relógio, lembro-me de uma história...
Fui com a minha família até a casa que era de meus bisavós. Estava fechada há mais de 10 anos, depois que a última família saiu de lá. Eram amigos que aos poucos retornavam para suas cidades. Os móveis, alguns ainda em bom estado, outros no sótão misturado à poeira e lembranças.
Minha avó não tinha boas recordações daquela casa. Mas entrou e passo-a-passo foi reconhecendo cada objeto, enquanto caminhava pela sala. Eu, por minha vez, subi as escadas que me levaram direto até o sótão. Adoro coisas antigas! Algumas cadeiras... um baú vazio... algumas cortinas rasgadas..., nada tão interessante para se ver, se não fosse pelo que estava escondido atrás da cristaleira. Era um lindo carrilhão!! . Puxei a cristaleira, tirei um pouco do pó e fiquei observando-o por alguns minutos... Acho que minha avó não se importaria se eu ficasse com ele. Abri sua porta de vidro para dar corda nos pêndulos e ver se ainda funcionava. Enquanto eu mexia, um papel amarelado caiu de dentro da caixa dos ponteiros. Abri com cuidado e vi que era uma carta. Fui me sentando em uma cadeira empoeirada e li o que estava escrito. Fiquei curiosa para saber o quê tinha acontecido. Guardei-a em meu bolso e enquanto colocava a cristaleira no lugar, minha avó entrou e com um tom triste em sua voz me disse:
- Não mexa nesse relógio!
- Não, eu não mexi..., apenas tirei o pó, ele é lindo! Posso ficar com ele?
- Não, não póde! Ele fica do jeito que está e como sempre esteve!
- Mas está quebrado!
- Eu sei! Só eu sabia como consertá-lo e não vou fazer isso. Quero que sempre marque esta hora. E... vamos embora.
Enquanto ela se aproximava da porta, perguntei a ela quem era Melinda.
Com o olhar baixo, pensou e depois se virou para mim e sorriu.
- Meu irmão já contou algumas de minhas travessuras, não é mesmo? Todas as vezes que eu aprontava alguma coisa, não era eu, a Kírria, e sim a Melinda, meu segundo nome.
- Mais alguém te chamava por este nome?
- Não!
- Tem certeza?...
- Tenho...
Ela caminhou até a janela e olhou para fora. Seus olhos pareciam voltar no tempo.
- Sim,... Tinha mais uma pessoa, mas isso agora não importa...
- Por favor, me conte! Com minha mão dentro do bolso segurando a carta, insisti muito!
- Está bem! Será a primeira e última vez que vou contar. Prometa-me que nunca mais vai tocar neste assunto, com ninguém e principalmente comigo.
- Prometo!
Sentei-me no chão enquanto limpava uma das cadeiras. Ela sentou-se e me contou sobre um grande amor. O ano era 1941, os alemães perseguiam os judeus e não bastasse a guerra e os conflitos, muitos foram mortos. Ela conheceu um tenente alemão que entre uma e outra fuga se apaixonaram.
Ele já tinha matado vários judeus. Era conhecido como um homem de ferro do Comando e ela não confiava nele, mas estava apaixonada. Ele prometeu a ela que a ajudaria levar sua família para outra cidade. Já estava tudo combinado! Mas um ataque surpresa, mudaria tudo...
Um dia, quando voltava para casa, em meio a ataques e tanta confusão, viu sua família entre sangue e violência. Sua mãe ainda desfalecendo, apontou para o carrilhão e em sua mão estava a insígnia de John. O sentimento de raiva tomou conta daquele momento e ela tinha certeza que John a tinha traído...
Naquela noite, sem pensar e sem entender o que tinha acontecido, ela fez chegar até ao Comando alemão, a insígnia e um bilhete dizendo que era John quem estava ajudando judeus a fugirem.
Dias depois, um amigo dele a procurou e disse que naquela mesma noite, ele foi morto na sua frente e o que o tinha matado, não foi o tiro e sim a dor de saber que foi ela quem o entregou... Ele disse que seu olhar de tristeza era a dor mais profunda que um homem poderia sentir.
Ele perguntou a ela se a carta tinha chegado em suas mãos. Que carta? Perguntou minha avó ao amigo dele. Agora eu entendi... Ela disse que esta foi a frase que ele falou e foi embora. Ela não entendeu. Mas, eu entendi... Ele foi embora com a certeza de que ela não sabia das intenções de John. Nada do que ele disesse naquele momento mudaria o que tinha acontecido.
Fiquei com vontade de lhe mostrar a carta que estava em meu bolso, mas vi em minha avó um sentimento de dor misturado a muita tristeza...
Ela nunca soube a verdade... Fomos embora e até hoje, nunca mais toquei no assunto com ela.
Um dia desses, sentei-me à beira de um rio e lendo e relendo a carta, tive a certeza de que se minha bisavó não conseguiu contar a ela o que tinha acontecido, não seria eu quem contaria.
Parte da carta dizia o seguinte:

09/23/1941
“Querida Melinda,
Nossos planos mudaram. Pedi a seu tio Isaac que entregue
esta carta explicando novo local e horário. Espero que
ele tenha chegado a tempo. Junto com a carta, mando
minha insígnia, para que tenha certeza que sou eu.
Estarei te esperando...
Com amor, John’’


O tio Issac, esteve na casa dela antes do ataque...
Minha bisavó só teve tempo de esconder a carta no Carrilhão, porque sabia que era lá que ela a encontraria. Era uma espécie de esconderijo que só as duas sabiam. Mas, devido a tudo o que aconteceu, ela nunca mais tocou em nada.
Acredito que minha avó foi morrendo aos poucos, quando soube da morte de John. Ela só está aqui até hoje, porque tinha que cuidar de seu irmão mais novo, que conseguiu se esconder no sótão, durante o ataque.
O que teria acontecido se ela soubesse da carta antes? E o que mudaria se ela soubesse hoje?...
Entre devolver no mesmo lugar de onde encontrei e ficar lendo e relendo sem saber o que fazer..., minha decisão foi de rasgar e jogar a carta no rio. Melhor assim...
O rio não vai mudar o que aconteceu, mas vai seguir o seu curso e suas águas calmas e tranqüilas levarão um passado marcado pelo tempo, que aquele Carrilhão não marcou nos seus ponteiros.
Tictac... Tictac... Tic... TAC.

Lhu Weiss

2 comentários:

  1. Uma das mais belas histórias que já li! Um final extremamente difícil de escolher...
    Saudações
    Galera Badulaques

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  2. Maravilha. Muito gostoso de ler. Adorei. O que teria mudado se a vovó tivesse encontrado a carta? A vida é realmente feita de desencontros e mal-entendidos.
    Beijo,
    Gabriel

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